domingo, 29 de outubro de 2017




Eu não tenho um bebê arco-íris. Não quero que tenham dó de mim, mas um pouco de respeito pela minha dor não seria nada mal.

Há dois anos, quando minha filha morreu durante o parto, eu não imaginava que estava se iniciando um dos momentos de maior dor e autodescobrimento da minha vida. Foram meses e meses de muito choro, muita raiva do mundo, dor, saudade do que não vivemos juntas. Passei do momento de maior alegria, que foi a minha gestação, para um momento de xeque-mate existencial: 

Quem sou eu agora? O que quero pra minha vida? Eu ainda amo a minha vida? Quero viver? O que me dá alegria após a morte da minha filha? Por que e pra quê viver?

Foi um processo dolorido. Olhar pra mim e me redescobrir. Reencontrar as pequenas alegrias. Viajar com meu marido e conhecer novos lugares. Poder me sentir amada e amar. Olhar pro mundo e achar que ele ainda era bonito e valia a pena. Assistir TV com a minha mãe e gargalhar vendo o Silvio Santos. Brincar com os filhos das minhas primas e me sentir querida. Estudar, aprender coisas novas. Deixar um trabalho que me explorava emocionalmente. Conhecer novas pessoas. Sentir que posso ajudar as pessoas, acolhendo e falando sobre a minha filha.

Durante todo esse processo, a vontade de ter um segundo filho ou filha estava comigo. Pra ser bem sincera, essa vontade nunca deixou meu coração. Minha filha morreu e, se pudesse, eu estaria grávida já no dia seguinte. Mas respeitei as orientações médicas e comecei a tentar após seis meses. A cada tentativa e a cada menstruação eu sofria. A ansiedade foi crescendo. Outras mães que eu conhecia engravidavam. Tinham seus bebês arco-íris. E eu torcia por elas, vibrava com elas, acompanhava seus medos. E o meu filho ou filha não chegava… e eu doía… e eu rezava e parecia que Deus mais uma vez não me ouvia…

Descobri questões de fertilidade que dificultavam a gravidez. Aceitei todos os tratamentos. E meu bebê arco-íris ainda não veio… E eu ainda quero que ele venha. 

Mas hoje já olho pra ele como um novo filho, não mais como uma tábua de salvação. Ele não vai vir pra ocupar o lugar da irmã ou pra preencher um vazio. Nem pra me dar esperança. Nem pra me ajudar a superar. Espero, sim, que ele venha, pra completar a nossa família. Pra me ensinar o outro lado da maternidade. Pra que a gente possa ter uma vida juntos.

A minha alegria, a minha esperança, a vontade de viver… tudo isso eu recuperei no meu processo de luto e autodescobrimento. Na verdade, ainda recupero dia após dia. Hoje eu tenho vontade de viver, independente de uma nova gravidez. Eu sei que minha vida vale a pena! Que o mundo é bonito e que eu quero estar nele e ser uma pessoa melhor. E este é o meu arco-íris!

3 comentários:

  1. Lindo depoimento.
    Meu luto foi muito parecido com o seu, assim como você vivi todas as fases dele. E sim o tempo todo pensando em ter outro filho. Hoje tenho minha bebê arco íris e sabe de uma coisa? Assim como a maternidade é transformadora na vida de uma mulher o luto também é. É uma rasteira da vida para nos mostrar que nem tudo está sob nosso controle. Mas nós damos a rasteira devolta na vida quando levantamos toda machucada, sacudimos a poeira e dizemos sim é isso mesmo que eu quero ser mãe. Tenho certeza agora mais do que nunca.
    Um forte abraço.

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  2. Que lindo ler isso... após a eternização do meu bebê fiquei desesperada por uma outra gestação, mas biologicamente nosso corpo não está preparado. Psicologicamente é ainda pior. Nessa época eu queria outro filho, no desespero de tapar um buraco, sarar essa ferida que dói tanto. Mas agora, após 8 meses da ida do meu anjinho percebo que isso é ruim. E que agora, mais madura emocionalmente, desejo outro filho porque quero ser mãe pela segunda vez, e não porque quero acabar com minha dor. Agora vejo bebês e coisas de bebês em todo lugar e isso já não me dói ou me leva ao desespero. Agora olho com carinho outros bebês e outras mães e penso que em vreve quero viver isso novamente. Não quero sarar a ferida do meu Henrique, porque apesar da dor da saudade, ele é só amor em minha vida e não dor. Queremos um irmãozinho(a) para ele e não um substituto. Henrique é e sempre será o maior amor da minha vida. Ele tem seu espaço e sempre terá em meu coração. Agora queremos aumentar nossa família porque tivemos o gostinho da maternidade e queremos explorá-la mais!!!!

    Um abraço e continue tentando!!!! Levo isso na brincadeira com meu esposo e a cada menstruação fica menos dolorido!!!

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  3. Eu perdi o meu bebê em fevereiro de 2013, e também logo após, quis ficar grávida, porém o meu corpo não estava pronto para uma nova gestação. Meus hormônios e menstruação não combinavam mais entre si, e eu tentava mesmo assim, sabia que uma nova gestação, um novo bebê não ia substituir o que se foi, porém eu queria estar grávida. E quando eu menos esperei, eu engravidei. Engravidei em agosto de 2014, quando fazia exames para tentar uma gestação em dezembro. Nesses exames descobrir estar com nódulos nos seios, cisto no ovário, e no dia anterior ao exame de mamografia, decidi fazer um teste de gravidez por causa dos enjôos, porque o meu médico disse que seria normal a minha menstruação atrasar mesmo por causa do cisto. Detalhe, minha menstruação veio dia 4, dia 15 fiz ressonância ou tomografia da cabeça, e no mesmo dia fui fazer as ecografias mamária e vaginal. Dia 23 voltei ao médico para fazer a prevenção, já que não pude fazer na primeira consulta por estar menstruada. E no dia 3 de setembro descobri a gestação. Com a descoberta da gestação, veio todos os medos possíveis de tudo fosse acontecer novamente. Uma gestação pós-perda não é fácil. A cada ida ao médico, um desespero novo. Mas graças a Deus minha bebê arco-íris está aqui. A luta não foi fácil, ela não substituiu o que se foi, porém foi um alento para o meu coração.

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