sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Depoimento de Julie Mahfud




Após 5 anos, uma cirurgia e muitas injeções para engravidar, tive o resultado de exame positivo que traria para minha vida nosso filho. Muito contente, dividi a alegria toda família e amigos.  Pouco depois as coisas iam mal, o hormônio HCG não evoluía corretamente e por fim parei na maternidade, onde soube que o bebê se alojou no ovário. Foi terrivelmente desolador, Deus em sua sabedoria já tinha levado esse anjo, ao menos não precisei tirar sua vida já que o local era incompatível. Sofri muito, sozinha. Ouvi os clássicos confortos de quem não sabe o que dizer frente à tamanha dor: “daqui a pouco engravida de novo”, “agradece que não teve nenhum filho especial”. Nada amenizava a dor, e essa dor eu senti sozinha.
Passado um período me reergui e fui com unhas e dentes atrás do sonho. Enfrentamos uma fertilização in vitro, processo que foi difícil e doloroso. Engravidei novamente, desta vez compartilhei a notícia somente com alguns familiares a fim de evitar o sofrimento. Levamos a gestação deste menino, Francisco, até a 10° semana onde então Deus recolheu-me mais um filho. Novamente a dor, o desespero, a saudade, a frustração. O sonho arrancado de mim. Novamente as mesmas frases de consolo que me faziam sentir-me sozinha. “Que bom que foi no começo” era a sentença que mais me doía escutar. Invalidava a existência do meu filho, sua importância como membro da família. Após esta perda, houve outras seis, porém passei a guardar para mim cada positivo anunciando a chegada de um novo bebê, assim como cada sangramento que anunciava sua partida. Descobri que a dor é igual, mas era mais fácil de enfrentar sozinha, em terapia, em grupos de apoio, que em meio à insensibilidade. De gestações químicas (antes da 5° semana) a Francisco que possuía nome e ficou comigo por mais tempo, todas tiveram o mesmo sentimento: sonho roubado. Tentei diversos tratamentos, diversas medicações profiláticas na tentativa de segurar as gestações, mas nada funcionou.
Hoje eu sinto apenas saudade do sonho que voou das minhas mãos. Já tive muitas crises de choro desesperada, já tive muitos sentimentos negativos, me sentia só e sem apoio. Hoje sinto gratidão por cada um que eu seu amor me escolheu como mãe, e gratidão a Deus pela oportunidade de ter sido o abrigo amoroso de cada ser que necessitava daquela vivência, seja por qual razão fosse. E saudade... Saudades eternas daquele sonho que escorreu pelas minhas pernas, inúmeras vezes, e não pude fazer nada. Queria apenas mais uma chance... Uma oportunidade de tentar fazer algo diferente, se é que ainda existe algo que não foi feito.

Hoje busquei ocupações que me fizessem sentir alguém importante, pois como mulher, sinto que fracassei. Guardo a esperança dentro de um cilindro de criopreservação em uma clínica, onde um dia espero ter a saúde e amparo médico necessário para fazer tal esperança florescer. Enquanto isso levo a vida com a saudade do que se foi e a fé no que virá.

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