segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Pelo que vale a pena viver?






"Se não fosse pelo meu filho mais velho, eu acho que não conseguiria sobreviver." 
"Sem meus filhos vivos, eu acho que não teria encontrado nada pelo que valesse a pena viver ." 
"Se eu não tivesse tido o meu bebê arco-íris, eu não sei se eu conseguiria ter encontrado esperança outra vez." 
"Eu não sei se valeria a pena viver sem os meus filhos."


Eu ouvi estas afirmações inúmeras vezes nos últimos anos desde que minha filha morreu antes do nascimento. Eu ouvi isso de várias mães e pais que perderam seus filhos, ouvi de amigos, familiares, clientes e colegas de trabalho.

O pensamento básico atrás dessas afirmações? Sem um filho vivo a vida não vale a pena.

Esperança e sobrevivência após a morte de uma criança está fora de cogitação e é impossível. Sobreviver é o melhor que podemos fazer após a morte de um ou de todos os nossos filhos. Estas são as mais dolorosas, e possivelmente as mais perigosas, afirmações para mães que perderam seus filhos – mães sem nenhum filho ou filha vivos.

E cada uma dessas afirmações são pura besteira. Um completo absurdo.

Perder nossos filhos é devastador. Nós ficamos com braços doloridos, corações partidos, um sofrimento que não conseguimos explicar, uma perda inacreditável. Esta é uma perda que ficará conosco pelo resto de nossas vidas.

Colocar este tipo de afirmação como verdades absolutas dá a falsa e perigosa sensação às mães enlutadas de que não existe esperança para elas, nenhuma razão pela qual valha a pena viver após a perda de nossas crianças. As perdas que tivemos modificaram totalmente nossas vidas, mas mesmo ainda como “mães invisíveis” nossa esperança não morreu.

A vida não deixa de valer a pena ou se torna apenas sobrevivência quando nossos bebês morrem. Nós, como indivíduos, como humanos, como mães de bebês que se foram cedo demais, merecemos viver ainda. Nós, apenas nós como indivíduos. Nós somos razão suficiente para viver – para lutar pela vida, pela beleza, pela alegria, pela plenitude de viver novamente. Nossas crianças, vivas ou mortas, são lindas e maravilhosas fontes de propósito e inspiração e alegrias. E nós podemos ter propósito e inspiração e alegria mesmo sem elas aqui conosco.

Nós merecemos isso!
Nós merecemos esta esperança!
Nós merecemos esta vida plena e bonita – mesmo se nunca nos sentirmos completas novamente!
Nós valemos a pena!!

Vale a pena viver por nós mesmas. Mesmo sem nossos bebês. Mesmo que a vida na maioria das vezes não aconteça como nós planejamos. Mesmo que seja dolorosa e para sempre tenha um sabor agridoce.

Nós podemos ter esperança!
Nós não precisamos apenas sobreviver, mas aprender a florescer novamente.
Vale a pena viver por nós mesmas, porque nós somos simplesmente suficientes para e como nós mesmas.

Palavras são criaturas poderosas – se dita por outra pessoa ou por nós mesmas. Vamos usar este poder com sabedoria, com muito amor e carinho por todas nós.

Ao invés de dizer, "Se não fosse pelo meu filho mais velho, eu acho que não conseguiria sobreviver”, talvez diga, “Eu sou tão grata pelo filho que ainda tenho comigo”.
Ao invés de dizer, "Sem meus filhos vivos, eu acho que não teria encontrado nada pelo que valesse a pena viver ", tente “A vida é muito dura após a perda de uma criança e eu sou grata pelo filho que ainda tenho comigo”.
Ao invés de dizer, "Se eu não tivesse tido o meu bebê arco-íris, eu não sei se eu conseguiria ter encontrado esperança outra vez" diga “Sou grata pela chance de ser mãe de uma criança viva mesmo que eu sinta muita saudade do meu filho mais velho”.
Ao invés de dizer, "Eu não sei se valeria a pena viver sem os meus filhos", tente “A vida sem minhas crianças é pesada e dolorosa mas eu estou procurando por razões para encontrar esperança”.

Você pode ser a sua esperança!
A sua vida vale a pena ser vivida, por você e somente por você!
Linda mamãe, você é razão suficiente para viver!
Lute para viver plenamente!



por Emily Long – Still Mothers


 (Tradução livre – Grupo Sobreviver – Junho/2016)

sábado, 6 de agosto de 2016

Amando meu corpo após uma perda gestacional ou neonatal




Amar meu corpo não é uma coisa fácil para mim.

Não completamente...

Veja, eu tenho duas filhas. Ambas morreram antes do nascimento. E, embora eu realmente não fale muito sobre isso, porque eu não estou 100% certa, eu tenho certeza que eu tive um outro aborto precoce entre essas duas gestações.

Meu corpo nunca trouxe com sucesso uma criança viva do meu ventre para meus braços. Ele falhou com todos os meus bebês, e a comigo também...

Passar por uma perda gestacional/neonatal é algo que pode realmente estragar a relação de uma mulher com o seu corpo. Meu sentimento (e o de centenas de outras mães que tiveram perdas como eu) é que fui traída pelo meu próprio corpo. Ele fracassou em trazer os meus bebês com segurança até o nascimento e para vida fora do útero. Muitas vezes há uma sensação de que há algo de errado conosco ou com nossos corpos que causaram a morte de nossos filhos.

Eu senti como se meu corpo estivesse me punindo.

Outras mulheres me disseram que sentiam que seu ventre era como uma zona de guerra ou uma armadilha mortal para os seus bebês.

Isso é muito real quando não temos nenhum filho vivo nos braços: quando não temos nenhuma evidência de que o nosso corpo pode permitir uma gestação tranquila e um bebê saudável ao nascer.

O mundo gosta de nos dizer que o corpo de uma mulher é feito para nutrir seus filhos e também feito para trazê-los com vida a esse mundo, e que podemos confiar nele, porque ele naturalmente sabe como gestar e parir. Isso é um conceito maravilhoso!! Mas o que acontece quando ele não pode ou simplesmente não o faz por razões desconhecidas? O que acontece quando os nossos filhos morrem várias vezes dentro do útero que, supostamente, é o lugar perfeito para nutrir e protegê-los?

Como é amar e confiar em seu próprio corpo depois disso?

Já fazem 13 anos desde que minha primeira filha morreu e mais de 6 desde a que minha segunda filha morreu também. Eu ainda enfrento esse sentimento de ter sido traída pelo meu próprio corpo.

Nos últimos dois anos, no entanto, eu tenho trabalhado para aprender a amar e confiar em meu corpo novamente. Não tem sido fácil. Minha terapeuta não gosta quando eu falo sobre o meu corpo ter falhado ou me traído. Ela se esforça para entender, mas é difícil para ela, pois tem dois filhos lindos, vivos, respirando e saudáveis, de modo que sua experiência com seu corpo e habilidades do seu corpo é muito diferente da minha. Seu corpo fez o que deveria fazer: alimentou e fez nascer os seus filhos para a vida na Terra.

Ainda assim, como terapeuta, tem me ajudado  a aprender a ser mais amorosa e confiante com o meu corpo. Aprender a aceitá-lo e ser gentil com ele, em vez de ficar ressentida e com raiva. Aprender a cuidar do meu corpo e nutri-lo, ao invés de punir e abusar dele. Para ouvir o meu corpo, em vez de ignorar e rejeitar sua sabedoria.

Eu gostaria de poder dizer para você agora: "Esse é o caminho que eu descobri! Veja como você fazer as pazes com seu corpo novamente e aprender a amá-lo. "

Mas eu não posso. Estou cada dia mais perto de descobrir isso por mim mesma, mas eu ainda não cheguei lá.

Por enquanto, meu comportamento padrão é ainda desconfiar dele. Eu ainda luto para me sentir completamente segura de sua capacidade de me abrigar com segurança e ser saudável e forte.  Optei por não tentar ter mais filhos, porque eu não confio em sua capacidade de mantê-los seguros.

No entanto, tenho percorrido um longo caminho. Nesses quase 3 anos venho trabalhando na criação de um melhor relacionamento com o meu corpo. Estou significativamente mais amável, mais compassiva, mais carinhosa, e mais confiante nele do que eu era há 3 anos atrás.

Eu o escuto mais: ele compartilha um monte de informações úteis comigo quando eu dedico meu tempo para ouvi-lo.

Eu o alimento melhor: consumo alimentos mais saudáveis, pratico atividade física, também me movimento mais. Falo com meu corpo de maneira mais gentil e sei melhor hoje sobre o que ele precisa.
Eu o aceito mais. Não estou completamente feliz com seu tamanho ou forma, mas aceito melhor como ele é. Chamo carinhosamente a minha barriga de Buddha (porque me faz rir e quem pode ficar com raiva de Buda?).




Perdoá-lo é um processo. É um processo que leva muito tempo e precisa da minha atenção. Não é muito diferente de perdoar entes queridos que, profundamente, já tenham nos magoado. Não é muito diferente do luto por minhas filhas. Esse sentimento  vai e vem em ondas - alguns dias eu sinto amor e carinho pelo meu corpo, outros dias não tanto.

Amá-lo e perdoá-lo é uma escolha que tenho que fazer todos os dias. Todos os  momentos. Algumas vezes eu falho nisso. Outras faço isso muito bem! Gosto de pensar que estou ficando melhor nisso com o tempo e pelo meu esforço a cada dia. Tenho esperanças de que um dia, eu vou simplesmente ser capaz de amar e confiar neste meu corpo, de forma fácil e o farei incondicionalmente.

Eu gostaria de poder dizer que sou a única que luta com isso, porque não é um coisa fácil ou divertida de vivenciar. No entanto, eu sei que eu não sou e que isso é muito, muito mais comum do que qualquer um de nós pode imaginar. Amar e aceitar o próprio corpo após um aborto ou óbito fetal é um desafio. Muitas vezes não se fala sobre isso, mesmo nos grupos de gravidez ou de perdas.

Falar sobre isso muitas vezes leva os outros (geralmente as pessoas com pouca ou nenhuma experiência de perda gestacional) a tentarem me fazer sentir melhor ou me dizerem que meu corpo ainda merece confiança e amor e carinho. É bem intencionado, mas inútil.

Acredite em mim, eu quero ter um relacionamento amoroso e de confiança com o meu corpo. Estou trabalhando duro nisso!

Nesse meio tempo, eu desejo que as outras pessoas apenas reconheçam a minha dor de não vivenciar isso. Eu só quero que você compreenda a dor e raiva que eu sinto em relação ao meu corpo por não manter minhas bebês seguras e protegidas. Você não tem que concordar comigo. Apenas aceite minha dor como justa.

Me deixe onde estou. Sem pressão. Respeite meu momento e continue me amando apesar disso.

Me ame até que eu possa aprender a amar o meu corpo novamente. 

Alimente-me até que eu possa aprender a nutrir meu corpo novamente.

Aceite-me onde estou até que, um dia, eu vou ser capaz de dizer com total confiança no que digo:

"Meu corpo fez o melhor que podia e eu o amo por isso."




(Texto de Emily Long – Traduzido livremente – Grupo SobreViver)

terça-feira, 28 de junho de 2016

08 Questões para refletir após 1 ano de luto





E lá se foi UM ANO. 365 dias, 8760 horas, 525600 minutos ou 31.536.000 segundos se passaram desde que a minha filha morreu. A tarefa diária de atravessar cada momento tristeza foi cumprida. Mesmo depois de um ano, eu ainda me pergunto: "Por que isso aconteceu?" "Qual foi a causa?" Ou "Poderia ter sido diferente?" Então eu percebi que, se eu continuasse me perguntando essas coisas, eu poderia nunca encontrar uma resposta . Depois de refletir sobre um ano de luto, posso lhe dizer as lições que aprendi, mas acredito que o caminho de cada pessoa é diferente e também como vivenciam a sua própria jornada de luto. Então, ao invés disso, acredito ser melhor que relatar sobre o ano de tristeza que vivi e as perguntas que me fiz, essas sim que fui capaz de responder.


1)Eu me permiti sofrer livremente, no meu próprio ritmo, e das maneiras que eu precisava?

Sim! Eu levei tanto tempo quanto eu precisei e deixei a tristeza me envolver de uma forma que era única para mim! Eu andei o caminho da dor no meu próprio ritmo e com quem eu escolhi para compartilhar a experiência. Abracei minha dor e não permiti que outras pessoas me dissessem como fazer o meu luto ou ficassem no meu caminho.


 2)Eu me dei permissão para experimentar plenamente o amor por minha filha?

Sim! Eu aprendi que mesmo que eu não pudesse segurar meu filha nos meus braços por mais tempo, que o meu amor por ela ainda crescia a cada dia no meu coração. Eu me dei permissão para compartilhar o amor que tenho por ela com os outros e aprendi que eu ainda posso ter um relacionamento amoroso com a minha filha, mesmo após sua morte. O amor não morre!!


3)Será que eu me permiti momentos de felicidade sem culpa?

Este foi a parte mais difícil, já que havia momentos em que eu sentia que sendo feliz eu estava sendo desleal para com a minha filha. Mas então eu percebi que a minha filha não gostaria uma mãe infeliz em sua vida, por que ela quer uma mãe infeliz na sua morte? Ela não podia mais viver e foi assim que eu aprendi a viver a vida, com todos os momentos de alegria, por nós duas.


4)Eu fui honesta com os outros sobre os meus sentimentos?

Sim e Não. Haviam dias em minha tristeza em que eu não conseguia dizer à outra pessoa como eu realmente me sentia, porque se eu fizesse isso, eu teria desintegrado no chão em pedaços. Nesses dias eu não era forte o suficiente para permitir que outros vissem a minha dor. Estes foram os dias em que eu menti e nesses, colocava um sorriso falso no rosto. Eu fiquei tão boa em fingir e em simplesmente dizer: "Eu estou bem." Então haviam os outros dias: dias em que eu me senti forte o suficiente para lidar com qualquer resposta que eu poderia receber de outras pessoas quando eu compartilhava com eles a minha dor. Haviam também os dias, em que eu simplesmente não conseguia esconder minha tristeza, dor, confusão, raiva e frustração por mais tempo. Minhas emoções eram tão verdadeiras e cruas que elas apenas escoavam para fora de mim para todos verem.


5)Eu honrei a meu filha de maneiras que eu mesma escolhi?

Sim! Eu honrei a minha filha querida de todas as maneiras que eu poderia ter pensado! Realizei caridade em seu nome andando 5km, fiz doações para organizações de perda gestacional, escrevi cartas sobre a minha dor, criei caixas de memória, fiz trabalho voluntário em prol causas acerca da perda gestacional, e escrevi e escrevi. Eu fiz tudo, e vou continuar a fazer, nos caminhos que escolhi também! Mas depois desse um ano que se passou acho que como eu faço para honrá-la não precisa de tanto barulho. Eu posso homenageá-la por apenas uma fração de segundo, num pensamento para ela todos os dias ou visitar um local especial que me faz lembrar dela. Não importa como eu faço isso, não importa se eu fizer isso sempre ou todo o tempo. Tudo o que importa é que, se eu decidir honrar a meu filha, eu farei isso de uma forma que me ajuda a me curar, e de um jeito que eu escolher.


6)Será que eu abracei a minha dor, a fim de liberá-la?

Sim, mas era difícil. No começo eu não queria encarar minha dor, a dor, o sofrimento que vem de perder um filho. No começo eu queria cavar um buraco e morrer também. Mas, lentamente, e a cada dia que passou eu comecei a ver que me inclinar para a dor me ajudou a me curar. A dor era grande, porque o amor é grande. Eventualmente, eu era capaz de aceitar a dor como uma indicação de amor.


7)Será que eu abri o meu coração para a cura, uma vez que eu estava pronta?

Sim, mas a cura agora assume um novo significado. Cura significa agora, aprender a viver com a dor, para vestir a cicatriz no meu coração que amou (e ama) e perdeu, mas ainda sinto a dor e vejo a feiúra do local onde a dor entrou em mim. Cura significa também me permitir desfrutar de partes da vida de novo, sem a culpa, sem dor, mas aprender a deixar que o riso, o amor e todas as coisas boas fluam de volta na minha vida. Até mesmo para permitir que a esperança no futuro possa entrar em meus pensamentos novamente.


8)Será que eu vou conseguir seguir com a vida depois da morte de meu filho?

Sim! E eu acho que eu sou um Deus-super-herói para fazer isso e você também! Minha irmã me enviou uma citação que diz tudo: “Qualquer um pode matar um dragão, ela me disse, mas tente acordar todas as manhãs e amar o mundo mais uma vez. Isso é o que leva a um verdadeiro herói.” Não tenho certeza de quem é  frase, mas é bonita e tem sido meu mantra para manter em pé a cada dia, após ser dilacerada pela perda.

E lá se foi UM ANO. 365 dias, 8760 horas, 525600 minutos ou 31.536.000 segundos se passaram desde que a minha filha morreu. Ainda há dúvidas, mas mais importante ainda sou EU! Eu ainda estou respirando, eu ainda estou de pé, eu ainda estou vivendo, eu ainda estou amando, e eu sou a verdadeira heroína da minha história. Essa é a única e verdadeira resposta para todas as minhas perguntas.

(PS: se você ainda está respirando, ainda de pé, ainda viva, e ainda ama, então você é o verdadeiro herói de sua história também.)


Créditos: texto de Lindsey Henke para StillMagazine - Livre tradução