terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Quando a dor de quem sofre, sufoca quem aconselha



           É fácil dar conselhos ou julgar quando não se viveu a situação. É fácil dizer: "Supere!" Ou: "Já chega!" quando o espinho não arde na própria carne. Quando não se conhece a dor do outro. Quando não se traz na bagagem a mesma história de vida. 
          É difícil colocar-se no lugar de quem sofre. É difícil entender o que se passa, mesmo que se tenha vivido uma situação semelhante, pois o jeito com que se lida com o que te acontece hoje, depende de como foi todo seu passado, aprendizados e vivências anteriores. O que dói em mim, pode não doer em você. Ou pode não doer do mesmo jeito. O que me machuca, ou me é árduo lidar, pode ser mais simples para você e vice-versa. 
           Há uma sociedade, regida por regras, que se encarrega de ditar como e até quando devemos nos sentir assim ou assado. Gente que te diz: "fica feliz, porque te falta uma perna, mas você tem os braços". Gente que diz que é "plano de deus", que "vai passar" ou outra pérola do gênero. E as palavras, muitas vezes carregadas das melhores intenções, cheias de amor, daqueles que, se pudessem, fariam uma limpeza de toda tristeza e te deixariam em pé de novo, acabam por machucar ainda mais! 
           Quando eu digo: "Supere!" ou "confie em deus" ou ainda: "você é fraco, ainda vive esse sofrimento" na maioria das vezes estou dizendo: "Ei, pelamordedeus, pára de sofrer porque eu não sei lidar com isso! Pára de chorar porque não sei dar colo, não sei o que fazer. Esquece essa dor porque falar nela me lembra das minhas dores, aquelas que eu mesmo fiz questão de jogar para debaixo do tapete para não ter que lidar com elas". E então acontece, mais uma vez, a culpabilização da vítima, aquele que sofre, por aquele que está de fora. Quem chora é culpado por sofrer, por querer desabafar, chorar a própria dor. 
           Fazer perguntas que nunca terão respostas, esbravejar, demonstrar os sentimentos mais inaceitáveis. E o interlocutor, em sua dificuldade em acolher, acusa. Acusa o outro de fraco, de inadequado. E nisso se recusa a ver, que, não há nada de mal em o outro chorar. É justo! Pode não ser um problema tão grande para um, mas se dói no outro, se sufoca ou tira o chão, que mal tem chorar? Que mal tem sofrer? 
          Acolhimento não significa sempre ter um bom conselho, ou tentar tirar o outro do sofrimento. Um bom acolhimento é aquele que valida a sua dor. Que, mesmo não compreendendo o que você sente, te dá espaço para que todo sentimento seja manifestado e assim, validado. É quando quem sofre encontra espaço para manifestar o que carrega dentro de si que as dores vão sendo expostas e elaboradas. E o sofrimento vai aos poucos se transformando. 
          Não se deve obrigar o outro a se sentir grato por uma provação. Precisamos assumir que não é o outro quem tem que deixar o sofrimento de lado e sim nós que precisamos lidar melhor com o choro desse alguém. Assumir que todo sentimento é justo e que, se não temos condições emocionais próprias, para ouvir e acolher, pelo menos vamos garantir que nossos dedos não estão em riste, apontando falhas no outro que na verdade são nossas. 
          Não é o outro que precisa parar de chorar e sim eu que preciso saber lidar melhor com isso. E reconhecer que se me incomoda, se não aguento o tranco, devo permanecer em silêncio. 
          Como já diz a sabedoria popular: " Muito ajuda quem não atrapalha". E sempre. Sempre e sempre, na maior parte das vezes, se não em todas elas, o que o outro precisa de você são duas (sinceras) palavras: "Sinto muito!"

Texto de Flávia Cunha
Publicado em 30/12/2015

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