sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Viver o luto de maneira saudável


Por Karina Meneghetti

Já tem algum tempo que eu penso em escrever algo sobre este assunto. Eu não sou psicóloga, nem psiquiatra, nem estudei livros e teorias sobre o assunto. Sou apenas uma mãe que perdeu sua filha já há dois anos e que desde então vem aprendendo no dia a dia como o luto pode ser pesado, doído, mas também uma fase de grande aprendizado interior. Por tudo isso, e pelo carinho enorme que eu sinto pelas pessoas que vivem perdas parecidas com a minha, decidi reunir meus pensamentos em um texto e compartilhar com vocês.

Já ouvi dizer que o luto tem fases, mas eu gosto mesmo é daquele texto que compara o luto a um naufrágio. Você está num barco que afunda e você se vê no meio do mar, junto aos destroços do que já foi algo muito lindo e maravilhoso. As ondas atingem você, que se agarra ao que puder para sobreviver. As primeiras ondas são enormes e você acha que não vai conseguir respirar. As ondas vão diminuindo de tamanho com o tempo, mas ainda estão lá e de vez em quando fazem novos estragos. Você intercala períodos de calmaria com épocas de ondas agitadas. No SobreViver, a gente costuma dizer que quando as ondas chegasm, não adianta se debater. Você precisa se entregar ao luto. Chore. Sinta. Escreva. Fale. Para depois poder respirar novamente e seguir em frente. Tentar fugir só vai desgastar ainda mais você, que já está tão cansada.

Fiz uma enquete com outras mães em luto e perguntei o que elas faziam para viver durante essa fase tão dolorosa. Cada mãe podia dar mais do que uma resposta e eu me identifiquei muito com elas. A maioria respondeu em primeiro lugar: Eu choro quando tenho vontade.

Essa resposta me remete aos dias em que tudo o que eu mais queria era chorar. Mas no meu caso, foi só com o tempo que me permiti o choro. O lavar da alma. A manifestação mais verdadeira da dor de uma mãe. Lembro de mim mesma há dois anos e me dói perceber quanto choro eu segurei. Primeiro porque eu tinha medo de cair em uma depressão profunda. Depois porque eu não queria que as pessoas se preocupassem comigo. E ainda porque eu não queria causar ainda mais sofrimento para quem estivesse ao meu lado. Hoje eu vejo que nada disso fazia muito sentido… e que eu devia ter me permitido mais. O choro ajuda a colocar a dor para fora. Desengasgar. E foi quando eu comecei a chorar que eu fui me permitindo viver o meu luto. Afinal, minha filha tinha acabado de morrer e eu tinha razões de sobra para chorar. Muitas vezes as ouras pessoas ou o mundo da alegria infinita nas redes sociais colocam limites na nossa dor. Outras vezes, nós mesmas nos colocamos esses limites. É importante refletir sobre isso.

A segunda resposta mais escolhida pelas mães em luto foi: Eu me apego a minha fé. Nós vivemos em um país onde as pessoas têm muitas crenças diferentes, e independentemente de religião, ter fé em algo maior que nós mesmas pode trazer um conforto muito grande. Pode nos levar a um sentimento de acolhimento maior. Na compreensão que há um Deus que não nos abandona, mesmo nos momentos de maior dor. O suporte religioso pode ajudar muito as mães que creem, mas não são um apoio para aquelas que não creem. Por isso, consolar por meio da religião pode não funcionar para todas as mães.

Vou falar por mim: sempre fui católica, sempre me considerei uma boa pessoa, aquela que se esforça para ser alguém do bem, sabe? Pois é, aí minha filha morreu e eu me vi muito sozinha… Minha família foi muito querida, mas a maioria não sabia como me acolher. Muitos amigos sumiram. Na igreja que frequentava, me decepcionei com o padre que não quis rezar uma missa de sétimo dia pela minha filha porque ela era um anjo e anjos não precisam de orações. Oi? Padre, é a minha menina! Eu não perdi a minha fé por causa disso, mas foi um momento de muita reflexão para mim, que me fez buscar outras formas de compreensão. Eu não conseguia deixar de acreditar que existia um Deus por trás de tudo, e que Ele era um ser justo e bom, mas o que a minha igreja estava me passando naquele momento não estava me ajudando. Eu me encontrei novamente no Espiritismo, que frequento desde então. Foi a minha forma de me religar com Deus. Afinal, é para isso que a religião serve, não é?

Nas reuniões do grupo ou quando conheço outras mães na mesma situação, sempre tento não usar Deus como forma de acolher ou consolar. Porque muitas mães não acreditam Nele. Outras acreditam de uma forma diferente da minha. E tudo bem. No meu coração, eu só desejo que cada uma encontre a melhor forma de seguir em frente. E no silêncio do meu coração, eu oro e vibro por todas elas. E eu sei que para muitas mães, como para mim, a fé é algo bastante importante e que ajuda muito em todo o processo.

A terceira resposta mais escolhida foi: Participo de grupos de apoio. Como é saudável e como ajuda durante o processo de luto compartilhar as dores com pessoas que viveram a mesma situação! Eu lembro que, quando cheguei em casa vinda do hospital, o que eu mais gostava de fazer era procurar na internet relatos de mães que tinham passado por algo parecido. Eu lia, me identificava e não me sentia mais sozinha. Não, não foi só a minha menina que morreu. Tem outras mulheres chorando nesse exato momento. E quando eu fui ao primeiro encontro presencial do SobreViver, apenas 15 dias depois da minha cesárea, eu sabia que ali eu tinha um porto seguro. Um lugar onde eu poderia falar qualquer coisa que não seria julgada. Aquelas pessoas sabiam o que eu estava sentindo. E elas sentiam junto comigo, porque eu via os olhos se enchendo de lágrimas enquanto eu contava a minha história. O acolhimento de um grupo de apoio foi essencial para a minha recuperação. Para que eu pudesse me compreender, sem me julgar. Para que eu aprendesse que eu podia chorar e tudo bem. Para que eu fizesse novas amizades e pudesse deixar ir aquelas outras que já não faziam mais sentido na minha vida. Para que falasse o nome da minha filha Bianca sem medo de causar constrangimento. Para que fosse, aos poucos, respeitando as minhas vontades e lidando com as decepções provocadas pelas minhas próprias expectativas.

Estar em um grupo de apoio, seja ele presencial, no Facebook ou WhatsApp, pode trazer um conforto enorme e ajudar no crescimento pessoal e individual de cada mãe. Ouvindo outras histórias, acolhendo e sendo acolhida, a gente vai se reconstruindo e se fortalecendo. Aprendo a cada dia, com cada mãe. E percebo nos grupos que isso acontece com a maioria das mães que estão ali também. Isso é tão bonito e tão mágico!

Outras respostas foram dadas e, mesmo encerrando esse artigo por aqui, acho importante pontuar que existem outras ferramentas que ajudam a viver um luto saudável, como: terapia, falar sobre o assunto, escrever sobre o assunto, fazer exercícios físicos, contar com um psiquiatra e tomar medicamentos quando necessário for, meditar, fazer ioga, mergulhar no seu trabalho, aprender algo novo, como bordado ou tricô, cozinhar, fazer scrapbook etc. Você pode tentar várias delas, escolher a que mais agrada ou a que mais desafia. O importante é que você saiba que é possível viver essa fase da vida de uma forma mais saudável, sem ficar se cobrando demais para que ela termine logo. Luto não tem validade, dura quanto precisar. E quando você menos esperar, vai perceber que ele foi ficando mais leve. E depois um pouco mais leve… até virar uma saudade bonita, que dói de vez em quando, mas que já não paralisa você.

Nossa sociedade ainda valoriza muito a alegria e o sucesso e tenta esconder a dor e a tristeza. Por favor, não deixem que isso oprima vocês, permitam-se viver! Afinal, perder um filho não é como perder um objeto que é logo substituído e você precisa de tempo para aprender a conviver com esse vazio. Nós estaremos sempre aqui por você! Porque juntas somos mais fortes!






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